Disponibilização: Segunda-feira, 22 de Novembro de 2010
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III
São Paulo, Ano IV - Edição 837
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Ramos Junior contou que foi corretor de imóveis e que intermediou a venda de imóveis da Sra. Almerinda, inclusive a “Fazenda
São Bento”, alienada à família Yabuta. Contou que a Sra. Almerinda lhe telefonou e informou a intenção de vender a fazenda, e
bem assim que, uma vez concluída a negociação, foi ela mesma quem recebeu o pagamento. Acrescentou que a Sra. Almerinda
sempre conversou diretamente com a Sra. Almerinda sobre compra e venda de imóveis e que ela sempre tratava dos próprios
negócios sem a interferência de ninguém, e ressaltou que em nenhum momento ela demonstrou sinais de incapacidade ou
problemas mentais, fls. 1501. Já a testemunha Justino Alberto da Graça dos Santos, tabelião, declarou que a requerida Alice foi
advogada da família Souza Leão durante muitos anos e que após a morte do marido da Sra. Almerinda continuou cuidando dos
negócios da família. Declarou ainda que lavrou mais de duzentas escrituras em nome da família, inclusive em nome do autor
Guilherme, com participação de Alice como mandatária. Acrescenta que sempre que havia alienação de algum imóvel da Sra.
Almerinda, Alice tinha em mãos procuração com poderes específicos e com indicação precisa do bem a ser alienado, sendo que
o instrumento não apresentava vícios, fls. 1502. Por sua vez a testemunha Hermes Morales, declarou que Almerinda estava tão
debilitada mentalmente que “sequer sabia o que era dinheiro” e “nem mesmo reconhecia as pessoas”. O autor da lide Guilherme
declarou perante o juízo que Alice foi advogada de seu falecido pai Luiz de Souza Leão e que após a morte deste Alice passou
a cuidar dos negócios de sua mãe Almerinda. Disse ainda não ter conhecimento acerca dos negócios de sua mãe. E finalizou
dizendo apenas que entende ter sido vitima de fraude no tocante aos bens de que era proprietário e lhes foram subtraídos
mediante engodo. A ré Alice declarou que foi advogada de confiança da família de dona Almerinda, desde quando seu marido
Luiz de Souza Leão era vivo, sendo que após a morte deste passou a cuidar dos negócios de dona Almerinda. Declarou que em
certa ocasião Almerinda lhe telefonou e de maneira firme disse que gostaria de dispor de alguns bens, mediante doação, em
favor de Guiomar, bem como que gostaria de vender a “Fazenda São Bento” para dar o dinheiro, em espécie, a seus filhos, o
que foi feito conforme a vontade expressada por dona Almerinda, tudo dentro da mais estrita legalidade, inclusive mediante
procuração com poderes específicos. Acrescentou que não conhece a Guiomar. Guiomar, por sua vez, disse que nunca teve
qualquer contato ou relacionamento com Alice. Afirma que no ano de 1997 a “tia” Almerinda não estava doente ou incapacitada.
Disse ainda que era intenção do falecido Luiz de Souza Leão doar-lhe bens e que quando este morreu a “tia” Almerinda promoveu
o ato, efetuando em seu favor a doação de bens. Acrescenta que Almerinda era pessoa consciente e tratou de seus próprios
negócios até a morte. A testemunha Manoel Xavier disse que juntamente com sua esposa trabalhou para dona Almerinda, na
fazenda em que esta residia, do ano de 1991 ao ano 1997. Disse que dona Almerinda era doente, sofria de mal de parkinson,
câncer no pulmão e ainda era completamente cega. Disse que era o Dr. Vanderlei, por mando de dona Almerinda, quem cuidava
dos negócios de Almerinda e que era ele quem lhe pagava o salário do mês. Acrescentou que somente sua esposa possuía
registro em carteira de trabalho e que dona Almerinda constantemente lhe dava ordens e lhe dava dinheiro alem do salário com
forma de ajudá-lo a “ter alguma coisa na vida”. Por outro lado Neide, esposa de Manoel Xavier, disse que Almerinda “não era
normal”. Disse que quem lhe pagava os salários era Vanderlei e que nunca recebeu dinheiro a mais por parte de dona Almerinda.
Disse que não era registrada e que dona Almerinda nunca deu ordens para seu marido. Disse ainda que Almerinda era cega,
não reconhecia as pessoas e nunca falava “coisa com coisa”. Norimoto, Izaura e Machiko nada souberam esclarecer. O requerido
Osamu disse que comprou a fazenda da Sra. Almerinda negociando diretamente com ela. Disse que inicialmente o negocio foi
entabulado pelo corretor Josias, mas que, na seqüência, Almerinda e seu advogado Vanderlei assumiram a negociação. Disse
que Almerinda, pessoa lúcida e esclarecida, compareceu pessoalmente ao cartório e no ato da lavratura da escritura de venda
e compra recebeu em mãos o cheque administrativo no valor das terras, conferido imediatamente por ela e seu advogado. Disse
ainda que conversou com a médica Dra. Yoko e que esta lhe disse que os familiares de Almerinda a procuraram pedindo um
atestado médico para resolver problemas familiares, mas que na seqüência retornaram e pediram para ela modificar o teor
deste atestado, o que fez sem ter conhecimento de que isso causaria o ajuizamento desta ação judicial. Decido. Como se sabe,
a vontade é elemento básico do negócio jurídico, e para que produza efeitos requer seja exteriorizada pelo agente de modo
espontâneo e querido. Entretanto, esta não basta à existência do negócio jurídico. É necessário, outrossim, seja o agente capaz
de manifestar validamente esta vontade para que produza efeitos jurídicos e legais. Segundo preleciona a doutrina: “Os
requisitos de existência do negócio jurídico são os seus elementos estruturais, sendo que não há uniformidade, entre os autores,
sobre a sua enumeração. Preferimos dizer que são os seguintes: a declaração de vontade, a finalidade negocial e a idoneidade
do objeto. Faltando qualquer deles, o negócio inexiste” (Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro. 4ª ed. Editora Saraiva,
2007, p. 310). Nesse quadro, é importante colocar a vontade como elemento do negócio jurídico. Assim: “no exame do plano da
existência não se cogita da invalidade ou ineficácia, mas simplesmente da realidade de existência do negócio. Importa examinar
a existência da vontade ou, mais que isso, a existência da declaração de vontade” (Silvio de Salvo Venosa. Direito Civil. Parte
Geral. 10ª edição. Editora Atlas, 2010, p. 358). É com base nestas premissas que se pode detectar a linha divisória entre ato
jurídico existente e ato jurídico nulo. Ausente qualquer forma de manifestação de vontade, o ato é inexistente, pois carece de um
de seus elementos estruturais. Expressada a vontade pelo agente absolutamente incapaz, o ato existe, porém, é nulo, porquanto
a lei não empresta validade à sua manifestação. Pois bem. 2.1 - Da alegada falsidade. Com base nestas hipóteses jurídicas e à
luz da prova produzida sob o crivo do contraditório, tem-se, por um ângulo que a alegação do requerente de que a assinatura
contida no documento de fls. 42 é falsa, constituindo negócio jurídico nulo (inexistente) não merece acolhimento. É que embora
o requerente enfatize que a assinatura constante da procuração de fls. 44 é falsa, questionando sua carência de sintonia gráfica
com aquela aposta no documento de fls. 42, é impossível creditar relevância jurídica a tal assertiva, mormente tomando-se
como base apenas o cotejo entre estas duas assinaturas (fls. 42 e 44), já que uma foi lançada anteriormente à outra há mais de
quinze anos. Com efeito, somente a produção de prova pericial poderia dirimir esta questão. Entretanto, impossível realizar tal
prova já que a pessoa que lançou a assinatura em ambos os documentos é falecida. Então, sem a realização desta prova,
imprescindível para desfecho da argüição de falsidade, encargo, aliás, exclusivo do requerente, a afirmação fica desguarnecida
de credibilidade. Aliás, sem embargo do questionamento do requerente, verifica-se a olho descoberto que existe grande
semelhança entre os traços das assinaturas. Além do mais, cabe considerar que o fator tempo e idade da pessoa alteram
sobremaneira o formato da caligrafia, o que reforça a convicção de que somente o critério comparativo é insuficiente para
esclarecer acerca da autenticidade ou falsidade da assinatura. Ademais, some-se ainda a isto que a procuração que o requerente
procura inquinar de falsa foi lavrada perante tabelião público, o que torna o documento portador de fé, ou seja, constitui prova
de que a pessoa que o subscreveu é a mesma cujo nome e assinatura estão apostas no documento, bem como que possuía
capacidade mental para entender o caráter do ato. Nesse sentido, vale lembrar que: “A CERTIDÃO EXARADA POR
SERVENTUÁRIO DA JUSTIÇA GOZA DE FÉ PÚBLICA, DEMANDANDO A PRODUÇÃO DE PROVA EM CONTRARIO PARA
QUE SEJA ABALADA SUA PRESUNÇÃO ‘JÚRIS TANTUM’ DE VERACIDADE” (ED no REsp n° 46.477 - RS, 4ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça, v. u., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, em 25/2/97, DJU de 24/3/97, pág 9021). Argumentos
como aquele que questiona que a escritura foi lavrada em sede de tabelionato distinto da comarca em que residira a constituinte
à época ou, ainda, que o tabelião responsável foi até o local de residência da outorgante para colher sua assinatura, são
desprovidos de relevância jurídica e visam apenas tumultuar a verdade dos fatos, na tentativa de causar no juiz a impressão de
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